Com delicadeza e naturalidade a água lentamente penetra o solo, a infusão de chá enche o ambiente de aromas e o perfume torna vívidas lembranças antigas. No entanto, a água presente nessas delicadas experiências também é autora de violentas manifestações, tão grandiosas quanto temíveis.
Tales de Mileto chegou a afirmar que tudo é água e, como ela, tudo flui, como disse outro grego, Heráclito, evidenciando a mutabilidade do Ser, inclusive do Eu que se vê nela manifestado em seu eterno devir, revelando a complexidade de nuances, das imagens que vela e das feras que revela.
Autorretratos em aquarela capturam todo o frescor e a vitalidade do representado, mas, conforme a tinta seca, essa intensidade desaparece gradualmente. Essa observação do artista Hirooki Hatori, que abre sua primeira exposição individual no Brasil com uma série de trabalhos onde sua figura se mistura ao caos do meio e à melancolia solitária das agitações dos grandes centros, revela um desejo profundo de permanência, em meio a impermanência da vida que, como água, flui, penetra, seca, se transforma sem parar.
Kaoru Gabriel
Especialista em História da Arte e Curador