Há tempos Rogério Negrão se dedica ao projeto de improbabilidades, senão à própria construção do impossível: suas máquinas de sonho e seus dispositivos de eficiente inutilidade servem antes à utopia poética do que aos pretextos vulgares do uso e da função. Como artista, saqueia sua formação de designer e a coloca a serviço de um pensamento tão fantástico quanto subversivo, indústria puramente mental que, na exposição Cidade Fabricada, reinventa a linha de produção, o espaço urbano e a paisagem que se estende além dele.
Os trabalhos apresentados por Negrão revelam a urbe como um vácuo performativo preenchido pela imaginação, lugar onde estruturas narrativas contraditórias emergem de uma aparente neutralidade e se consolidam como verdade à medida que vão sendo esquematizadas como formas de planejamento e de controle. Neste silêncio de caleidoscópio, uma sucessão de cores artificiais, ambientes simulados e imagens manipuladas sugere sentidos tão desconcertantes quanto mais objetivas forem suas origens: desenhos técnicos, registros de patentes, plantas baixas, mapas em escala e fotografias de paisagens familiares colocam o olho e a consciência em deslocamento, em incessante movimento entre a certeza e o perigo, entre a rotina e o pesadelo, entre o delírio cartesiano e a lógica ficcional.
Inóspita como imagem, a arte de Negrão tenciona um arco que parte de da Vinci, se distende até um pouco mais além de Cronenberg, arrasta Warhol e Lygia Clark em sua elegante parábola e, neste trajeto, restitui ao público a imprescindível tarefa de povoá-la. Cada um de seus trabalhos nos propõe um tempo presente suspenso em lugares de ilusória comodidade, espaços distópico-disfuncionais entre um passado de signos nostálgicos e um futuro de opacidade atmosférica que devem ser preenchidos com medidas muito particulares de razão, de senso crítico e de sensibilidade para que possam, enfim, não apenas serem chamados de cidade, mas principalmente darem lugar à cidadania.
GLEBER PIENIZ