DESCENDENTES
A exposição DESCENDENTES reúne obras de um longo período em que Claudia Lara investiga de forma profunda acerca de sua obra, e de si mesma.
Uma investigação que se referiu e se refere, aos tantos, longos e embaraçados fios que constituem as relações humanas através dos tempos, fios estes que formam, um cada vez mais embaraçado, conjunto, a que chamamos humanidade.
Lembro do papel das histórias individuais, para este imensurável conjunto de indivíduos. Também, para a potência que podem adquirir as ações individuais quando somadas em conjuntos através dos tempos, ou sobre como se fragmentam quando descontinuadas as ligações. A vida adquire potência na coletivização e na constância, assim nos sucedemos, e nos antecedemos em fios de ações e emoções ao longo dos tempos.
Também fazemos parte de outra forma de ligação, uma que poderia se dizer mais horizontal, no qual nos ligamos indivíduos de dado presente em grupos e redes que se continuam e descontinuam. Talvez daí “tecido social”.
No trabalho de Claudia, não só os fios, mas conhecimentos, técnicas, estéticas, paletas materiais, se reúnem, constituindo conjuntos culturais, que fazem tanto mais sentido quando olharmos para artista.
Claudia adolescente se imaginava Lara, como a heroína loura de Dr Jivago, o filme que marcou os 60/70 com ideias e ideais euro centrados, propagados em rádios e vitrolas, além das telas grandes, com o “Tema de Lara”.
Claudia estudou artes como queria.
Concomitantemente com administração de empresas, como a família queria.
Tinha anseios por materiais e fazeres têxteis, porém permaneceu pintando com tintas, o material consolidado consagrado das artes plásticas, enquanto trabalhava na empresa da família, que sim, envolvia têxteis.
Alguns anos.
Continuou, no entanto, sentindo umas pontas soltas e certas tensões.
O interesse têxtil puxava fios que vinham de longe. Largou a administração.
Largou os pincéis.
Puxou os fios entregando-se aos seus interesses mais legítimos e descobriu-se negra, artista, que sabe pintar com fios. Descobriu que os fios, estes com os quais passou a trabalhar, permanecem ligados a toda a sua ancestralidade, estabelecendo-se numa vinculação vital.
Dedicou-se a descobrir a história da sua família, especialmente a das mulheres, ao mesmo tempo em que passou a praticar a arte, não mais como apenas algo que se aprende e que tem regras e materiais próprios, com pensamentos estéticos pré definidos, mas como o acesso a um grande repositório de saberes fazeres e entendimentos.
Através dela, reconhece, não apenas a si mesma, mas à cepa grande da qual faz parte.
Claudia Lara percebe que sua ancestralidade a constitui, os fazeres diários das avós, ao lidar com fios e tecidos e terras e sementes, e plantas e flores, e logo com transcendências e compreensões profundas, vêm integrar de forma sólida a pintora têxtil negra que é.
• Lara vivida pela atriz Julie Christie no filme Dr Jivago de 1966