Estela Sandrini A Memória da cor
Repetindo a mesma forma até ao cansaço, fazendo verdadeiras progressões matemáticas, banindo a mão do artista e recorrendo à fabricação industrial, os minimalistas produzem uma arte que, não raro, resulta impessoal, cerebral e fria. Estela Sandrini também repete à exaustão suas cadeiras, atingindo a saturação, mas no ponto mesmo em que se cruzam é que se distanciam métodos e principalmente resultados. Sem o rigor da ciência, nem tampouco reduzindo sua atuação física, a mão lhe é fundamental, por isso mesmo suja suas telas de subjetividade, apresentando uma arte apaixonada.
Sandrini precisa dessa materialidade. Independentemente das escolas e movimentos, constrói um trabalho em escala pessoal. Cézanne pintou inúmeras vezes a mesma montanha, a eterna Saint-Victoire; Monet, as ninféias; Donald Judd, os módulos geométricos… Sandrini continua atrás dos objetos domésticos. Tudo se resume na casa, é ela ainda o sentido de sua pintura. Só que agora essas tralhas aparecem de forma camuflada, quase invisíveis, ocultas pelas manchas, ora incompletas na sua presença (fragmentos de objetos), ora completas na não-presença (os vazios das cadeiras e das gavetas).
Passional, dramática, bruta na lida com os pincéis, é moldada quase que exclusivamente pela cor e pela paixão de pintar. Cézanne dizia escutar a pintura. Diante das Noces de Cana (Veronese), ordenava “Feche os olhos, aguarde, não pense em nada. Escute-as.” Nossa artista pratica esse exercício. A diminuição da visibilidade, de que vem sofrendo, vai conduzindo-a a pintar quase que de memória. Hoje, ela escuta a pintura muito mais do que a vê, e dessa espreita auditiva advém a visão. Ela pinta o invisível do visível pela riqueza da memória e pela relação biológica com a cor. Tudo se passa por meio da luz, pois, com a dificuldade que tem, é esta quem lhe oferece o contraste. Mas a luz, que ilumina, também cega. É quando então a artista tira partido do silencioso branco. Sua pintura permanece com traços fortes, só que mais do que linhas, agora são pinceladas grossas de cor, buscando sempre atingir a essência dos vermelhos, dos terras, dos azuis. Mesmo quando são visíveis, os traços nada mais são do que o derramamento de cores.
Sandrini encontra prazer em pelejar com o banal. Do interior da trama doméstica, a selecção pela cadeira e pelas gavetas (lugar do segredo, dos escondidos, mas também das revelações: as gavetas se fecham, mas também se abrem) quase que reclama uma psicanálise. Não é o caso. Ela exercita sua angústia pela pintura. Seus últimos trabalhos invadem nosso espaço com explosões de cores, trágicas e sensíveis, a química familiar da cor nos regalando com soberbas imagens poéticas. Charles Fourrier foi iluminado ao perceber que o homem está todo inteiro nas suas paixões. Sandrini só se mostra por inteiro na vivência impetuosa com a arte.