O ateliê do artista é seu refúgio. Casulo sagrado de acolhimento e ampla arena de combate. Inicio sob esse particular viés o depoimento que teço agora sobre o artista Sérgio Canfield e suas obras.
O conheci assim, irrequieto e silencioso, em meio a uma profusão de gigantescas caras, rostos desossados e macilentos, expressões que fingiam superar a dor, o sofrimento e o desespero endêmicos. Havia ainda corpos desnudos com sua anatomia desestruturada, nas imagens em preto e branco, recostados no chão e nas paredes de seu ateliê.
“A arte é um ser instável, e minhas figuras refletem o que vejo todos os dias. Pessoas me olhando, pedindo ajuda”, brada o artista diante de sua própria trajetória ao questionar o mundo que o cerca.
Fomos buscar – e encontramos aos borbotões – finos liames de cor, de luz, nas gavetas, nas estantes, nas mapotecas repletas de papeis desenhados e manuscritos, de fotografias colorizadas, de colagens com sobreposições de imagens, ferramentas inusitadas e minúsculos objetos reinventados. Máquinas de escrever liliputianas, livros encapsulados, mobiliário anatomicamente inviável e traquitanas mirabolantes, vão surgindo seus misteriosos ready-mades dessa espécie de Gabinete de Curiosidades do ilusionista Sérgio Canfield.
Ele não para aí. Nos conduz à uma imaginária floresta, densa, metálica e cinética construída com objetos cirúrgicos, nem sinistra nem fantasmagórica, antes alegóricas instalações suspensas no teto de seu refúgio. Nada que lembre o asséptico consultório de médico cirurgião. Eis o contraponto desse artista plural. E o desafio da curadoria em tentar transferir um pouco desse cenário à esta exposição, provocativamente intitulada pelo autor de Veritas !
O artista se diz não engajado a movimentos políticos nem filosóficos, mas a arte de Sérgio Canfield é o retrato – verdadeiro ou imaginário? – de um país cheio de evocações e contradições comportamentais.
Edson Busch Machado – Curador